segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Sou Visto Logo Existo (Que Descartes Me perdoe a parafrase)

Quando Orwell escreveu 1894, tínhamos quem olhasse por nós. A guerra fria disputava cada centímetro da terra para sua visão de mundo, éramos como filhos de pais separados que discutem para ver quem manda mais. Ele previu que a continuação do totalitarismo sob a forma tecnológica do olho que tudo vê: “o grande irmão”. Antes era Deus, para Orwell era uma televisão. Hoje estamos sós.

Hoje somos muitos visados, porém só na condição de consumidores universais. Interessada no bolso e não na alma, a propaganda seduz, mas não julga. Em última instância, ninguém, seja divindade, potência ou multinacional, parece interessar-se pelo destino de cada um. Foi aí que começamos a instalar câmeras que transmitem via internet (estrangeirismos...) imagens toscas de lares e pessoas chatas. Blogs, ou seja, diários on-line (argh!), oferecem notícias pueris. Reality shows (mas que droga! Até quando vamos adaptar palavras estrangeiras em nossa língua?) criam situações e lugares que podem ser acompanhados ao vivo pela televisão.

De tanto em tanto, surgem preocupações com a invasão na privacidade de telefones e correspondência, supondo que a intimidade de cada um seria objeto de espionagem, seja comercial, seja política. Por que somos tão ciosos de uma intimidade que temos compulsão de expor, compartilhar e profanar?

Não dispondo de grandes transcendências, cabe aproveitar a temporada sobre a terra, porque a continuação é incerta. Hoje precisamos ser apreciados individualmente e dentro do prazo de validade. É preciso ser visto par ser lembrado, existir. George Orwell deve estar se revirando em seu túmulo ao perceber que a personagem de sua obra virou sinônimo de entretenimento de gosto duvidoso.

Sem fé nem esperança, restou o cotidiano. É uma pena que estejamos reduzidos a um registro tão infantil, interessados de maneira tão destemperada em assuntos tão domésticos. O big brother (quanta ignorância!), assim como seus similares, são uma big mother (ih! Força do vício), a única a quem importa a higiene, a alimentação e as banalidades de cada um.Nem a visão apocalíptica de Orwell supôs que iniciaríamos um milênio tão desamparados e carentes.

Emílio Eduardo Morais de Moura

* Excelente texto de um grande amigo meu Emilio!

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